quarta-feira, 17 de março de 2010

É preciso discernir críticas de ofensas em Blogs



É preciso discernir críticas de ofensas
Uma empresa tem o direito de ir à Justiça caso o dono ache que a crítica passou dos limites. No entanto, o tiro às vezes sai pela culatra: após entrar com um processo, a exposição é infinitamente maior do que um post no blog.
Alice Sosnowski - 1/3/2010 - 20h10


Zé Carlos Barretta / Hype
Assim como há empresas difamadas na web, que devem exigir retratação por ofensas, há casos de intimidação de advogados a blogueiros coibindo o direito à simples reclamação. Um exemplo polêmico ocorreu com a designer Larissa Paschoal e o jornalista Rodrigo Cavalcanti, que criaram um blog para arrecadar fundos para o casamento. Por causa de um post que criticava o atendimento de uma loja de doces, foram notificados extrajudicialmente. Apesar das ameaças, muitos casos conflitantes entre blogueiros e empresas terminam em acordo antes mesmo de alcançarem instância jurídica. O que acontece muitas vezes é que as empresas acionam advogados que enviam uma notificação extrajudicial e isso assusta os mais leigos. "No Brasil, não somos educados para lidar com a Justiça", salienta Lúcia Freitas, blogueira e especialista em mídias sociais. E completa: "E as empresas não estão preparadas para a blogosfera". Segundo Lúcia, as grandes ignoram a voz do consumidor na web, seja em blogs ou redes sociais, e os pequenos tentam calar uma crítica achando que ela não vai se espalhar pela rede. No fim, o tiro sai pela culatra. A exposição que um bar, uma loja ou uma empresa tem após entrar com o processo é infinitamente maior do que um post. Para a superintendente de marketing da ACSP Sandra Turchi, é importante também verificar a influência de quem critica. "A resposta é sempre importante, mas às vezes gerar polêmica pode dar uma visibilidade que não haveria por si só", pondera.

Por causa desta falta de traquejo por parte das empresas com os meios digitais e também por parte dos internautas com as responsabilidades que a liberdade na rede pressupõem, um grupo de blogueiros tenta organizar uma rede de proteção institucionalizada. Inspirados na norte-americana EFF (Electronic Frontier Foundation), entidade que atua na defesa das liberdade civis na internet, a instituição teria os moldes de uma Oscip (Organização da Sociedade Civil de Interesse Público) e atuaria na prevenção e proteção de litígios. Para o advogado Marcel Leonardi, especialista em Direito e Internet e professor da Fundação Getúlio Vargas (FGV-SP), esta entidade precisaria primordialmente ter um caráter educativo, para depois oferecer consultoria jurídica e, num terceiro momento, proteção em processos. Segundo Leonardi, que fez um estágio em 2009 na EFF, as regras brasileiras não permitem importar o modelo americano de atuação. "Mas essa lacuna precisa ser preenchida com uma instituição que pelo menos informe o público a respeito de questões jurídicas relacionadas à internet", afirma.

Gabi Butcher"No Brasil, não somos educados para lidar com a Justiça. E as empresas não estão preparadas para a blogosfera". disse Lúcia Freitas. Divulgação"Precisa-se de uma instituição que informe o público a respeito de questões jurídicas relacionadas à Internet", disse Marcel Leonardi. Divulgação"Muitos blogueiros agem com ingenuidade. O que está escrito no blog é público e vai ter um impacto no mundo offline", fala Alessandro Martins. Divulgação"O litígio só acontece quando há conflito de interesses que mexem com a popularidade ou o patrimônio da empresa", fala Flávia Penido.

Outra iniciativa que vem contribuir com a regulamentação na internet é a elaboração do Marco Civil, lançado pelo Ministério da Justiça em parceria com a Fundação Getúlio Vargas. Em linhas gerais, o Marco tenta criar regras sobre privacidade e responsabilidade de terceiros, além de diretrizes sobre alguns aspectos que não existem na legislação brasileira. "A discussão do Marco Civil é um avanço, mas 90% dos litígios que acontecem na internet já têm previsão legal", explica Flávia Penido. "O Marco não vai mudar os direitos, nem as responsabilidades do cidadão na web", explica Flávia.

Seja com o Marco Civil ou com a criação de uma associação de blogueiros, o embate entre a liberdade de expressão e o direito de se defender contra a difamação está longe de ter um capítulo final. Muitos conflitos e processos irão ocorrer até que se tenha um consenso jurídico sobre assunto. O que os especialistas recomendam, em todo caso, é ter cautela e bom senso na hora de expor opiniões na web. "Afinal, a liberdade não significa total ausência de responsabilidade", conclui Leonard.

Editora contra historiadora

Ocaso mais recente de litígio entre blog e empresa surgiu no final de fevereiro, quando a editora Landmark processou a historiadora Denise Bottmann, dona do blog "Não Gosto de Plágio", por a ter acusado de plagiar as traduções das obras Persuasão, de Jane Austen, e o Morro dos Ventos Uivantes, de Emily Brontë, publicadas em 2007.

Na ação que corre na 4ª Vara Cível do Fórum Regional de Santana, a Landmark pediu a remoção imediata do blog e o pagamento de indenização por calúnia. Segundo o advogado da editora, Alberto José Marchi Macedo, a Landmark não reconhece o plágio e acha que o veredicto pode ser dado somente na esfera judicial. Alegando tratar-se de uma questão complexa que envolvia liberdade de expressão na internet, o juiz não permitiu a retirada do blog do ar antes de julgar o mérito da ação.

Para Denise, isso mostra um amadurecimento da Justiça em relação às questões de internet. "Tenho o direito de trazer a público o resultado de meu trabalho como pesquisadora e expor fatos mediante provas", afirma. Apesar de não ter sido notificada extrajudicialmente pela editora antes da ação, Denise relata que conversou com o diretor editorial, Fábio Cyrino, antes da publicação do post e que sempre garantiu espaço para o direito a manifestação em seu blog. "A minha luta não é pela liberdade de expressão, este já é um direito adquirido. Minha briga é pela defesa da literatura e da memória cultural deste País", conclui a historiadora.

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