quarta-feira, 10 de março de 2010

Rádio on-line tenta acabar com tabu de ser divorciada no Egito

Rádio on-line tenta acabar com tabu de ser divorciada no Egito

FRANCISCO CARRIÓNda Efe, no Cairo (Egito)

Conseguir o divórcio no Egito é um processo longo quando quem pede é a mulher e um tabu comum nas conversas de rua. Uma rádio on-line, contudo, se propôs a acabar com os estigmas e as vozes silenciadas ao ter como público as divorciadas.
Mahasen Saber demorou quatro anos para conseguir seu divórcio após dezenas de visitas aos tribunais nas quais conheceu outras mulheres na mesma situação, envolvidas em disputas nas quais mal contavam com o apoio de suas famílias.
"Falar sobre o divórcio das mulheres no Egito e, em geral, na sociedade árabe, ainda é um tabu", reconhece Saber. Há seis meses, ela decidiu romper o silêncio e dar voz às divorciadas na rádio Motalakat, ou "rádio das divorciadas" em árabe.
Participam das atividades da rádio on-line, transmitida a partir da casa de Saber, 23 pessoas "entre mulheres, homens e jovens que compartilham uma mesma ideia".
"Nossa sociedade vê as mulheres divorciadas como demônios e os homens como anjos", denuncia Saber, que divide diariamente seu papel de diretora e locutora com suas funções de mãe.
A programação da "primeira rádio de divorciadas do mundo", como diz seu site, inclui programas nos quais as mulheres podem contar sua história ou espaços como "Seu filho: como criá-lo", onde um especialista explica como educar um filho após o divórcio de seus pais.
Há também espaços para prevenir a separação, como "Antes de Dizer que Quero o Divórcio", no qual se discutem soluções aos problemas conjugais sem recorrer a uma ruptura, e programas conduzidos por homens que apresentam uma perspectiva masculina.
Além dos telefonemas ao vivo, os ouvintes entram em contato com Saber por e-mail ou pela rede social Facebook. "São homens e mulheres que me perguntam sobre o processo de divórcio ou sobre outros aspectos da vida matrimonial", conta.
Segundo Saber, a ideia de levar ao rádio o caminho que muitas mulheres precisam percorrer para conseguir a separação fez com que alguns a vejam como uma mulher "valente e sem medo" e outros a critiquem por "ir longe demais".
Mesmo assim, ela considera que a percepção sobre as mulheres que pedem o divórcio está mudando em uma sociedade conservadora como a egípcia. "Intuo isso pelas opiniões que as pessoas dão na rádio e pelas mensagens que chegam pelo blog", diz.
Em 2008, houve mais de 80 mil divórcios no Egito, segundo a agência egípcia de estatísticas.
O islã, no qual está baseada a lei egípcia sobre divórcio, permite que um homem se divorcie de sua mulher apenas ao dizer "eu te repudio" três vezes. As mulheres, por sua vez, passam por um calvário de disputas judiciais.
A lei estabelece que o marido pode voltar a ter a mulher quando ele quiser e só na terceira vez em que repudiá-la, ela pode se considerar definitivamente separada. Mesmo assim, deverá esperar um ano para se casar com outro homem.
A organização de direitos humanos Human Rights Watch publicou em 2004 um relatório no qual denunciava esta situação que, segundo afirma agora uma das autoras do documento, Heba Morayed, não mudou.
Se é a mulher que decide empreender o processo de divórcio, a via mais rápida é renunciar à pensão alimentícia, à herança e devolver o dote que o marido pagou.
Este caminho deixa a mulher totalmente indefesa, pois inclusive a casa da família fica sempre com o marido, embora a mãe assuma a custódia dos filhos.
Como esta via envolve gastos enormes, fica fora do alcance da maioria das egípcias, que optam pelo "divórcio de ofensas", no qual devem comprovar a existência de um destes quatro casos: que o marido sofre de uma doença mental ou incurável, incluindo a impotência; que ele não sustenta a família; que está preso ou foragido; ou que "danifica" sua mulher física ou mentalmente.

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